Poema mais ou menos de amor
Luís Fernando Veríssimo
Eu queria senhora, ser o seu armário
E guardar seus tesouros como um corsário.
Que coisa louca: ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida, circunspecta e pesada
Nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei (de que madeira eu não sei).
Um sentinela do seu leito – com todo respeito.
Ah, ter gavetinhas para suas argolinhas.
Ter um vão para o seu camisolão
E sentir o seu cheiro, senhora, o dia inteiro.
Meus nichos como bichos
Engoliram suas meias-calças, seus sutiãs sem alças.
E tirariam nacos dos seus casacos.
Ah, ter no colo, como gatos, os seus sapatos.
E no meu chão, como trufas, suas pantufas...
Seus echarpes, seus jeans, seus longos e afins.
Seus trastes e contrates.
Aquele vestido com asa e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo. Um pulôver amigo.
Bonecas de pano. Um brinco cigano.
Um chapéu de aba larga. Um isqueiro sem carga.
Suéteres de lã e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores, os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior – à procura de um pregador.
Desarrumando o meu ser
Por um prêt-à-porter...
Ser o seu segredo,
Senhora,
E o seu medo.
E sufocar,
Com agravantes,
Todos os seus amantes.